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Miranda do Douro candidata Danças dos Pauliteiros a Património Cultural Imaterial

  • Foto do escritor: Contemporâneo Jornal
    Contemporâneo Jornal
  • 12 de jan. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de out. de 2024

Dança de espadas, dança guerreiras, dança dos trabalhadores ou dança popular? Não há grande consenso, a nível de investigação, sobre a origem da “Dança dos Pauliteiros”. Mas uma coisa é certa, os pauliteiros de Miranda são considerados um dos ícones máximos do folclore nacional e ibérico.

 

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David Brás, de costas e de capa de honras mirandesa acompanha as pauliteiras de Sendim numa atuação. Foto: Nádia Neto

Nos dias de hoje, a dança dos Pauliteiros é umas das principais atrações do nordeste transmontano. Em 2023, o município de Miranda do Douro submeteu a candidatura das “Danças Rituais de Pauliteiros nas Festas Tradicionais ao Inventário Nacional de Património Cultural Imaterial”. O objetivo depois desta candidatura é levar os Pauliteiros de Miranda até à UNESCO.

 

Mário Correia, investigador e organizador do Festival Intercéltico, foi o grande responsável por esta candidatura dos Pauliteiros como património cultural. A candidatura tem o foco nas festas tradicionais em que os pauliteiros participam, todos os anos. Da alvorada, ao peditório, à procissão, à participação na missa, isto é o que está inscrito para património, toda a vivência à volta dos pauliteiros, nas festas da vila, “porque um grupo de pauliteiros só em si não é património”, explica o investigador, mas sim a comunidade - o “sentido identitário” e a “alma de pauliteiro”.

 

A dança dos pauliteiros pode ser vista como um grande jogo de pés. “Nos pauliteiros, o pau esquerdo levanta-se, porque vem bater no teu pau esquerdo e tu bates com o direito. E no esquerdo tens de aguentar a pancada”, esclarece. Esta arte demora, no mínimo, um ano para aprender e aperfeiçoar.

 

Para Telmo Ramos, secretário da Casa do Pauliteiro de Sendim, a aprenziagem da dança pode ser complexa: “primeiro é bater os paus em compasso e depois começar a bater os paus um com o outro e depois começam a fazer uma quadrada, que é quatro, a encaixar, a intercalar, depois a corrida. Tem vários passos. É como uma dança de balé ou de outra coisa qualquer. Tem vários passos e depois vários “lhaços””.



Lhaços

 

“lhaços” (laços) deriva do mirandês e significa dança: “porque é um laço, porque todos eles abrem e fecham como se fosse um laço de apertar”, explica Telmo. Os pauliteiros entrelaçam e entrelaçam, até chegar à dança tradicional, que apresenta sempre a mesma música, mas que podem ser dançadas de forma diferente, uma vez que cada grupo faz à sua maneira. Alguns laços, são acompanhados por letras, na maioria em mirandês, e até os paus que utilizam são fabricados na região.

 

Quanto às danças, ao melhor dito, lhaços, David Brás, presidente da direção da associação de pauliteiros, sabe que há no mínimo vinte e cinco, isto porque “cada sítio tem a sua tradição e dança de forma diferente”.

 

Em Sendim, pequena vila de Miranda do Douro, desde 2011, há uma associação de Pauliteiros, porém, os pauliteiros de Sendim já existem há mais de 80 anos. As primeiras fotografias dos pauliteiros remetem para 1940, garante David Brás, explicando que "não era um grupo organizado desde o início".


O pauliteiro afirma que na criação do grupo eram apenas “oito jovens que se juntavam e que conseguiam ao toque das gaitas de foles fazer danças em conjunto e até houve danças que surgiam no próprio dia, na própria hora, porque a harmonia era tão grande”. Aliás, “os pauliteiros dançavam até só com as botas de trabalho, com as meias e as calças de pardo, mais subidas, eram quase uns calções”, pode dizer-se que foi assim que surgiu a vestimenta típica dos pauliteiros. Mas há um pormenor que deve ser seguido à risca: só dentro do concelho é que os pauliteiros usam calças, quando o palco é para lá de Miranda do Douro, a base são as saias.

 

Sobre a importância da dança dos pauliteiros ser declarada património, David Brás sente que valorizaria a “terra e a própria cultura”, além de promover o turismo. E até já fala de um “sonho que não é impossível”, apesar de difícil, depois desta candidatura, o próximo passo é concorrer para Patrimônio da UNESCO.

 

Hoje, o grupo de pauliteiros de Sendim tem 27 pauliteiros ativos, homens e mulheres. Praticamente, não tem ensaios, porque as “atuações são muitas”. “Tivemos quase cinquenta atuações num ano, dá uma média de três ou quatro atuações por mês, ou seja, dá quase um por semana e, então, o ensaio vão sendo de atuação em atuação”, justifica.

 

Mas, desta vez, o ensaio é no salão de festas de Sendim, bem no centro da vila. Ensaiam um laço chamado “salto do Castelo”, que simboliza, quando antigamente os espanhóis tentavam invadir as torres de Miranda e para saltar as muralhas tinha de saltar o castelo, conta Valter Jantarada, um dos dançarinos.

 

Valter Jantarada, de 20 anos, começou a dançar com 15 anos. O gosto pela dança dos pauliteiros foi passado pelo pai, que também fez parte do grupo. “Costuma ser assim, de geração em geração, continuam os pauliteiros”, afirma o jovem.

 

Estuda no Porto e, apesar de estar longe de casa e só voltar aos fins de semana para as atuações dos pauliteiros, não deixa a tradição. No Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), criou um grupo de pauliteiros para mostrar que a universidade pode ter várias atividades. Ao mesmo tempo, aproveita para mostrar que os pauliteiros podem evoluir e chegar às grandes cidades, “sem que se perca a tradição”. O grupo já conta 20 membros e os ensaios estão marcados para todas as segundas-feiras, das nove da noite até à meia-noite, no Instituto Politécnico do Porto, uma forma encontrada para não deixar que a tradição seja esquecida.

 

Para Valter, a candidatura a patrimônio cultural já deveria ter sido feita há mais tempo: “Acho que os pauliteiros são um símbolo de Portugal e que merecem mais reconhecimento”.


A “garra” das Pauliteiras

 


A tradição também já chegou às mulheres. O grupo de Sendim tem um grupo de pauliteiras. Beatriz Gonçalves, de 17 anos, faz parte do grupo de pauliteiras, desde 2019. Além de dançar, também toca instrumentos de percussão de música tradicional mirandesa. Sabe tocar bombo, caixa e está agora aprender gaita de foles.

 

Muitas pauliteiras juntaram-se recentemente ao grupo e começam agora a ter atuações e Beatriz quer “continuar a espalhar a cultura por todo o mundo”.

 

Nesta tarde de sábado, as ruas da cidade de Miranda do Douro ganharam uma nova cor com a atuação das Pauliteiras de Sendim. Beatriz tocou o bombo, como tem facilidade com os instrumentos, tanto dança como toca, “depende do que for preciso”.

 

Carolina Martins tinha acabado de desfilar pelas ruas da cidade, em conjunto com mais sete amigas. Dançaram o “lhaço” das profissões, que representa a cabeleireira ( o único movimento da dança diferente dos homens), a ferrador e o tratar do burro.

 

Por levar a tradição muito a sério, nem mesmo no dia de anos, Carolina deixou de dançar, “acho essencial as raparigas mostrarem a sua garra”, diz ainda que o maior desejo é continuar a mostrar que a “tradição, força e união” existe nas pauliteiras de Sendim.




 

Grande Reportagem

La lhéngua que ye l coraçon dua cultura 

por Lara Castro, Natalia Vásquez e Nádia Neto, em Miranda do Douro
janeiro 2024

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