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Luís Marques Mendes: "O ambiente político em Portugal não é um ambiente saudável"

  • Foto do escritor: Contemporâneo Jornal
    Contemporâneo Jornal
  • 28 de dez. de 2023
  • 15 min de leitura

Atualizado: 15 de jan. de 2024

O Contemporâneo esteve à conversa com Luís Marques Mendes, comentador e ex-líder do Partido Social Democrata sobre a atualidade política.


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Como avalia a demissão de António Costa e os eventos que levaram a essa demissão?


Primeiro, foi uma demissão inesperada. Ninguém estava à espera, ninguém imaginava. Evidentemente, tratou-se de uma investigação judicial. Num determinado dia, houve buscas no palácio de São Bento, buscas feitas pelo ministério público. É uma coisa que nunca tinha acontecido na nossa democracia: buscas judiciais na sede de um governo. Segundo, houve pessoas detidas que são muito próximas do primeiro-ministro. O seu chefe de gabinete, por um lado, um dos seus melhores amigos que tinha de resto vários trabalhos feitos com o governo. E, depois, houve também uma menção num comunicado oficial da procuradoria-geral da república que haveria uma investigação ao próprio primeiro-ministro. Coisa que sobre isso pouco se sabe, ou quase nada se sabe. E, em função disto, o primeiro-ministro entendeu pedir a demissão e como se recordam até fez isso de uma forma muito rápida. Todas as buscas começaram de manhã, no dia 7 de novembro e ele tomou a decisão praticamente quatro ou cinco horas depois.


Eu diria que é uma demissão inesperada, mas é uma demissão relativamente compreensível. Porque face àquela investigação judicial, buscas em São Bento, incriminação de pessoas muito ligadas ao primeiro-ministro, sobretudo, o seu chefe de gabinete. Evidentemente, que Se o primeiro-ministro tivesse em funções, ficava um primeiro-ministro muito fragilizado. Podia manter-se em funções, nada o obrigava a demitir-se, a decisão era dele. Mas se ele não pedisse a demissão,  ia ser acusado permanentemente de estar agarrado ao poder e, evidentemente, que ia ficar fragilizado, porque o seu chefe de gabinete, que é uma espécie de braço direito do primeiro-ministro estava incriminado. Dois dias depois houve até uma circunstância muito imprevisível que veio a saber-se que o chefe de gabinete, tinha dinheiro escondido no seu gabinete, o que é de facto uma situação muito anormal. Ou seja, por todas estas razões, o primeiro-ministro tomou a decisão, insisto, inesperada. É compreensível.


E, portanto, quando um primeiro-ministro se demite não é obrigatório haver eleições, claro que não é. Mas o normal é que haja. Porque  quem ganha umas eleições legislativas de um modo geral, é o candidato a primeiro-ministro. Portanto, se o primeiro-ministro que ganha as eleições se vai embora, então é natural que se devolva a palavra ao povo. E foi isto que basicamente aconteceu inesperadamente, mas tudo dentro daquilo que é depois relativamente previsível.  


E como avalia o desempenho do governo liderado por António Costa até à sua demissão? 


Com coisas boas e más. Era um governo que tinha aspetos positivos e que tinha aspetos negativos. Eu destacaria como aspetos positivos, sobretudo, a política relativamente às finanças públicas, aquilo a que se convencionou chamar “contas certas”. Acho que é difícil criticar o governo nessa parte. Um país como Portugal, que tem uma dívida pública, que já é antiga, mas que é uma dívida pública que é muito grande, precisa de ter uma política de contas certas. O que é que isto significa? Significa não ter défice, significa ter as finanças públicas, finanças do Estado equilibradas, entre aquilo que recebe que são as receitas e aquilo que gasta, que são as despesas. Pois bem, este governo de António Costa conseguiu esse objetivo. 


Acabar com o défice, diminuir a dívida em percentagem de riqueza nacional. E, portanto, é um aspeto muito positivo, de um modo geral, da esquerda à direita. Tirando alguns setores de extrema-esquerda ou mais de extrema-direita, que torcem o nariz. Mas de um modo geral, a sociedade portuguesa compreende e aceita que este é um aspeto positivo. Do lado negativo, eu talvez sublinhe três. Por um lado, as dificuldades na saúde, o serviço nacional de saúde com mais listas de espera, problemas grandes nas urgências dos hospitais. Foi um ano de forte degradação do serviço nacional de saúde. Os problemas na habitação, hoje em Portugal, é muito difícil um jovem, por exemplo, arranjar casa para arrendar ou para comprar, porque agora os juros estão muito elevados e é muito difícil encontrar-se crédito para comprar uma casa. Sobretudo, nos grandes centros urbanos, na grande Lisboa e no grande Porto. Ou seja, durante oito anos quase não houve investimento na habitação. E, portanto, hoje, Portugal tem as casas mais caras da Europa, comparando com os rendimentos dos portugueses. Segundo a União Europeia, Portugal é um dos países que têm as casas mais caras de toda a Europa. Ora, isto é um problema muito sério. E, depois, eu diria que, finalmente, no domínio da educação, as coisas não correram bem. O último ano letivo foi um ano de grandes greves, perturbações, um conflito que ainda não acabou entre o governo e os professores.


Portanto, na parte positiva eu destaco as contas do Estado, o que é um investimento importante. Do ponto de vista mais negativo, destaco a degradação na saúde, os problemas sérios de preços altos na habitação e um clima de instabilidade nas escolas, por força da guerra, entre aspas, com o governo e os professores.


Qual é a sua análise sobre a recente polémica envolvendo o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa? 


Quer dizer, eu acho que é, digamos assim, mais parra do que uva, muita parra e pouca uva. Porquê? Porque agora já se sabe, através de uma auditoria feita no hospital Santa Maria, e, portanto, factos objetivos de uma entidade oficial, já viemos a saber que, primeiro, aquelas duas crianças precisavam mesmo daquele medicamento especial. Segundo dado, elas têm dupla nacionalidade, mas são também portuguesas. Tem acesso ao serviço nacional de saúde, como qualquer português. Terceiro, aquele medicamento justificava-se como dizem os médicos na tal auditoria. Quarto lugar, elas não passaram à frente de ninguém, porque não havia lista de espera. Quinto lugar, se não tivesse tomado aquele medicamento, provavelmente, já teriam morrido, porque se trata de uma doença muito delicada.


Eu não sou médico, não sou especialista na matéria, limito-me aqui a recordar aquilo que disse a auditoria oficial do hospital de Santa Maria. Claro que muita boa gente diz também, com razão, houve aqui alguma tentativa de meter uma cunha, é verdade. O filho do presidente ao escrever um e-mail para o Palácio de Belém, é uma tentativa de meter uma cunha. Depois, o filho do presidente foi recebido duas vezes pelo secretário geral da saúde, também para falar deste assunto. São tudo coisas que não são bonitas. São tentativas de meter uma cunha. Ou seja, tentativas de ter um tratamento de favor. Isto, evidentemente, foi notícia durante muitos dias e todo o país se convenceu: houve uma cunha e estas duas crianças foram privilegiadas. Bem, eu diria que foi as duas coisas, houve uma tentativa de meter uma cunha, sim, é verdade. Isso não é bonito. Isso não é muito aceitável. Mas, por outro lado, a parte boa da questão, é que, apesar destas tentativas, as duas gémeas não tiveram tratamento de favor.


E sublinho esta parte, porque não sou eu a dizê-lo, porque obviamente não conhecia a matéria, é o próprio hospital de Santa Maria numa auditoria, ou seja, num inquérito que foi feito e que ninguém contestou. E que, portanto, este hospital veio dizer que não houve tratamento de favor, elas precisavam do medicamento, o medicamento justificava-se, eram portuguesas e digamos, assim, desta polémica salvaram-se as crianças que é o mais importante. 


Como acha que a situação atual pode influenciar o cenário eleitoral em Portugal? 


Quer dizer, pode piorar a situação, temos de reconhecer. Porque o ambiente político em Portugal não é um ambiente muito saudável. Há uma certa degradação das instituições, vejamos que neste momento, por força de quanto tudo que acabamos de falar, há uma degradação da presidência da república, do governo e também da justiça.

Ora, presidência da república, governo e justiça são três das mais importantes instituições dos país. Da presidência da república, porque a questão das gémeas, apesar de no final, se ter vindo a constatar que não houve nenhum tratamento de favor e, portanto, tudo correu dentro das regras. Apesar de tudo, a perceção pública, vamos ser francos, ficou essa ideia. Há uma degradação do governo, porque evidentemente estamos sem governo. Havia uma maioria absoluta, devia ter quatro anos de mandato e antes de chegar a meio de mandato, o primeiro-ministro demitiu-se. Portanto, isto degrada a instituição do governo. E também há uma imagem de degradação da justiça, sobretudo, do ministério público que é um organismo importante da justiça, porque há muitas dúvidas sobre a solidez deste processo judicial, que digamos empurrou o primeiro-ministro para a demissão. Ninguém sabe se aquele processo é sólido, não é sólido. É um processo para inglês ver, é um processo que tem pernas para andar? Ou seja, há muitas dúvidas e há pouca certeza. Portanto, se há uma degradação das três instituições que referi, que são das instituições e isto evidentemente pode contaminar o ambiente eleitoral. Ou seja, quando as pessoas torcem o nariz às instituições, evidentemente pode acontecer uma de duas coisas, eu não digo que vá acontecer, mas pode acontecer.


As pessoas de um modo geral quando estão mal-dispostas fazem uma de duas coisas: ou protestam, ficando em casa, ou protestam, voltando em partidos mais populistas de extrema-esquerda ou de extrema-direita. O que também não é bom, porque isso leva a um radicalismo político maior e nós já temos radicalismo político que chegue.


Portanto,  é difícil antecipar se esta degradação das instituições vai ter um efeito no resultado eleitoral de 10 de março. Ninguém consegue antecipar, mas é provável que tenha naturalmente algum efeito, porque não vamos a votos numa altura em que o país esteja em alta. Pelo contrário, vamos numa altura em que as pessoas temem pelo custo de vida, pela habitação, pela educação, pela saúde, pelos impostos a mais e agora pela degradação das instituições. As pessoas estão mal-dispostas por um conjunto de razões. Temos de aguardar para ver o efeito e a dimensão em concreto que vai ter nas eleições de 10 de março.


Como vê a atuação dos partidos da oposição neste período?


Os partidos da oposição vão fazendo o seu papel. O papel de um partido de oposição, sobretudo neste período em que tem de se preparar para eleições, é fazer duas coisas. Por um lado, é denunciar aquilo que está mal ou aquilo que eles pensam que está mal. E, por outro lado, apresentar as suas alternativas, dizer o que faziam de diferente se tivessem no poder ou que farão de diferente quando chegarem ao poder.


Mas eu diria que esta segunda parte ainda está muito a começar. Porque até ao momento o que temos visto dos partidos da oposição é sobretudo a fazer críticas, a chamar atenção das coisas que correm mal, a denunciar as situações.Como as eleições surgiram de forma inesperada, é natural que os partidos de oposição estejam a adaptar-se. Não estavam preparados para eleições neste momento. Só estavam preparados para eleições daqui a dois anos. Portanto, só provavelmente, agora, no mês de janeiro cada um vai começar apresentar as suas ideias, as suas propostas, o que pensa de diferente na saúde, na habitação ou na educação, ou para baixar os impostos, ou para apoiar os jovens e os mais velhos, reformados e pensionistas. Essa é a parte que neste momento está todo o país à espera.


As pessoas querem ter uma ideia do que cada partido que se submete a eleições apresenta de diferente em relação ao governo que esteve oito anos em função. Vamos aguardar que os partidos de oposição façam o seu trabalho de casa para apresentarem as suas propostas eleitorais. 


Vê o seu partido a ganhar as próximas eleições? 


Quer dizer, isso é um cenário possível, mas ninguém tem certeza. As eleições têm este pequeno problema ou pequena vantagem. É que está tudo incerto até ao dia das eleições. Neste momento, é natural que o PSD esteja preparado para vencer as eleições, porque está há oito anos na oposição. Está há oito anos sem chegar ao poder. Tem sido muito crítico, relativamente às medidas que o governo tem adotado. Fez agora uma coligação com o CDS e com cidadãos independentes para ter maior solidez eleitoral.

Mas eu julgo que estas eleições vão ser muito renhidas, muitos disputadas, muito taco a taco, para usar uma linguagem popular.


Não há vencedores antecipados. As sondagens mostram que as coisas estão muito empatadas entre o partido do governo e o principal partido de oposição. Obviamente uma pessoa como eu, que é do PSD, desejo que ele ganhe. Mas isto não é apenas uma questão de desejar. É preciso que os dirigentes do PSD tenham a lucidez, a inteligência e a competência para poderem apresentar propostas eleitorais que sejam capazes de motivar e mobilizar os eleitores. É aquilo que vamos ver em janeiro ou fevereiro, eu diria que nestas eleições tudo se vai jogar nestes dois meses. Neste momento, o número de indecisos, pessoas que estão ainda com dúvidas em quem vão votar, é um número anormalmente grande.


Ainda há muita gente que não sabe em que vai votar. Os próximos dois meses vão ser decisivos até porque vamos ter muitos debates políticos, os vários líderes vão fazer debates uns com os outros. Esses debates vão evidentemente contribuir para o esclarecimento, pelo menos é aquilo que todos nós esperamos.



O que acha sobre a coligação?


Acho que é uma boa ideia. Primeiro, é mais ou menos uma ideia natural. Muitas vezes no passado o PSD e CDS foram coligados às eleições. Começou em 1979 com Sá Carneiro, uma primeira coligação e conseguiu ganhar as eleições e ser primeiro-ministro. E, depois, já foi feita várias vezes ao longo dos anos. Portanto, é uma coligação relativamente natural, é uma certa tradição. Depois há uma novidade nesta coligação é que não é apenas uma coligação entre o PSD e o CDS, é uma coligação também que envolve pessoas independentes.


Digamos assim, pessoas que não são propriamente militantes nem do PSD, nem do CDS, que podem vir a ser pessoas com prestígio e é também uma mais valia. Ou seja, nesse plano eu acho que esta ideia de coligação é uma ideia positiva, uma ideia feliz. Acresce ainda que o sistema eleitoral português favorece a junção, concentração. É uma questão muito técnica, mas o PSD e o CDS podem ter mais deputados indo juntos às eleições do que se fossem separadamente. É uma regra do nosso sistema eleitoral. Portanto, trata-se também de aproveitar essa oportunidade do sistema eleitoral. A ideia é boa, mas agora falta o essencial, insisto sempre nisso explicar às pessoas, o que é que a coligação faria de diferente ou fará de diferente se chegar ao poder. As pessoas querem sobretudo mais do que dizer mal, mais do que estar só a criticar, mais do que estar só com ataques, o que as pessoas querem sobretudo são soluções.


As pessoas em Portugal, hoje vive, evidentemente, com confiança no país, mas vivem neste momento bastante preocupadas, porque o custo de vida é alto, com a inflação o custo do alimentos e o custo de vida aumentou muito, porque a habitação é uma pesadelo, a saúde está em mau estado, a educação está num clima de grande de instabilidade. Num momento desta natureza, as pessoas querem sobretudo soluções, mais do que críticas querem soluções. E esta parte ainda falta e que está a suscitar uma boa expectativa, eu diria até uma grande expectativa agora para as próximas semanas. 


Acha que poderá haver também uma coligação com o Chega?


Acho que não. Primeiro, uma maioria absoluta mesmo com a coligação parece muito difícil. Eu acho que, desta vez, ninguém vai ter maioria absoluta. Nem vai ter maioria absoluta o PS, nem vai ter maioria absoluta o PSD, mesmo em coligação. Acho que é muito difícil haver maioria absoluta.


Agora, sejamos francos, no passado em 40 anos de democracia já houve vários governos sem maioria absoluta, aquilo a que chamamos governos minoritários. Só para recordar alguns casos, o professor Cavaco Silva que, durante dez anos, o seu primeiro governo era minoritário e durou um ano e meio. Mais tarde, o engenheiro António Guterres, de outro partido, teve dois governos minoritários e um até durou os quatro anos do mandato, o segundo já caiu a meio, porque se demitiu. O engenheiro Sócrates teve uma maioria absoluta e depois teve outro governo minoritário. Portanto, há uma tradição de governos minoritários em Portugal e, às vezes, até governam bem.


O facto de serem minoritários não quer dizer que não tenham até qualidade e competência para governar. Portanto, eu acho que vamos ter um governo minoritário ou, por outras palavras,  diz-se, muitas vezes, com maioria relativa, o contrário de maioria absoluta. Imaginar que a coligação ganha, mas não sei se ganha, pode ter em conjunto 35, 36, 37% dos votos, isto não é maioria absoluta, é uma maioria relativa. O entendimento com o Chega não me parece muito possível. Primeiro, o PSD já disse várias vezes que não faria. Mas pode dizer-se que os políticos mudam de opinião e voltam atrás.


Neste caso, não me parece. Às vezes acontece isso, mas desta vez não me parece, porque voltar atrás, quebrar a palavra e o compromisso numa matéria desta natureza, é um líder ficar logo completamente descredibilizado. Não é levado mais a sério. Acresce ainda que o governo que precise de ter dentro de si o apoio do Chega vai ser um governo à partida fragilizado, porque o Chega é um ativo tóxico no país, na sociedade portuguesa. Portanto, não parece que a coligação feita pelo PSD e pelo CDS vá fazer algum entendimento com o Chega.


É mais fácil ter um governo minoritário do que fazer um entendimento com o Chega. Parece-me o cenário mais provável. 

Considera o Luís Montenegro um bom candidato? 


É um bom candidato, mas isso é tudo muito subjetivo. Ele é o líder do partido, foi eleito como tal, é aquele que o partido tem de melhor para apresentar, que ele é uma pessoa combativa, julgo que ninguém tem dúvidas, porque ele já foi líder parlamentar à vários anos atrás, num momento muito difícil e, na altura, foi considerado por toda a gente um bom líder parlamentar. Eu julgo que ele é uma pessoa bem preparada, eu conheço bem há muitos anos, sou amigo dele. Acho que ele é uma pessoa bem preparada.


Agora, evidentemente, que não chega ser combativo e não chega ser bem preparado, são duas coisas fundamentais, dois requisitos importantes, mas agora a partir daí é preciso ter ideias e propostas que sejam exequíveis, ou seja, que sejam realistas e que, ao mesmo tempo, as pessoas considerem que são verdadeiramente positivas, essa parte é o que ainda falta.


Quais são, na sua opinião, os principais desafios que o próximo primeiro-ministro e governo enfrentará? 


Eu acho que são muitos e são vários. Isto dava para uma tarde inteira, mas como não temos a tarde inteira, o melhor é sermos sintéticos. Do ponto de vista económico, pôr o país a crescer. O país em termos de economia tem crescido pouco, a prova disso é que os salários são baixos. A economia cresce pouco e há economias na Europa parecidas com a nossa, mais ou menos, com a nossa dimensão que estão a crescer muito mais do que Portugal.


Crescer mais, por a economia a crescer, as empresas a produzirem mais, é fundamental para contribuir para melhores salários.Segundo, por o estado social a funcionar melhor, sobretudo, na área da saúde e da educação, porque nós temos um importante estado social. Termos um serviço nacional de saúde gratuito, universal e geral, é uma mais vália. Agora se ele não funciona, passa a ser uma menos valia. Quer dizer, se as pessoas ficam uma eternidade à espera de uma consulta ou de uma cirurgia, o serviço nacional de saúde não funciona bem. Nunca o serviço nacional de saúde atravessou uma fase tão difícil como agora. O mesmo se diga das escolas, este clima permanente de greves e paralisações, de conflito, não ajuda nada. A segunda grande prioridade é de facto o estado social. Eu diria depois que é essencial começar a pegar a sério na habitação. A habitação é uma calamidade neste momento. Temos comparado com os nossos rendimentos, as casas com os valores mais caros da Europa.


Os jovens são outra grande prioridade, assim como os mais idosos, reformados e pensionistas, sobretudo, aqueles que têm reformas de 300 ou 400€. É muito difícil viver hoje em dia com estes valores. Nenhum de nós imagina como é possível. Um governo, digamos assim a sério, que tenha visão de futuro, acho que tem de, pelo menos, estas quatro prioridades: crescimento económico, melhoria do estado social, atenção privilegiada à habitação e um apoio no domínio dos mais idosos. 


Na sua opinião, são também necessárias reformas institucionais para fortalecer o sistema político em Portugal? 


Não sou tão sensível. Ou seja, é preciso melhorar as instituições, sem dúvida. É preciso que as instituições se prestigiem. Agora quando falamos de reformas, às vezes, queremos dizer mudanças das leis, mudar a constituição, mudar as grandes leis do país e não me parece. Eu acho que isso normalmente é muita demagogia. Nós tivemos durante muitos anos, em Portugal, problemas com a nossa constituição, mas ela já foi revista várias vezes. E hoje não é por culpa da constituição que temos estes problemas que falamos no país. Portanto, não me parece que haja necessidade de fazer uma grande reforma constitucional em Portugal. Acho que isso só serve até para desviar as atenções.


Não há nada que gente possa falar aqui que não possa ser feito com a atual constituição. Depois, outras leis de carácter estruturante também não me parece. Quer dizer, há uma degradação das instituições, mas não é por causa das leis ou das más leis. É por causa das más práticas. Quer dizer, se no caso das Gêmeas Brasileiras se fala ou não fala de uma cunha, isso não é um problema de lei, é um problema de prática. Quer dizer, se o Governo devia ou não devia ter caído, não foi por causa da falta de leis, foi por más práticas. Se o primeiro-ministro tem um chefe de gabinete que esconde dinheiro no palácio de São Bento, não o declara ao fisco, não o deposita no banco, isso é um problema de más práticas. Não é um problema de leis. Eu sou jurista, não é por fazer mais leis, que vamos deixar de ter crimes. Crimes há sempre, em qualquer parte do mundo. 


O que nós temos de mudar, sobretudo, do ponto de vista das instituições são as práticas, são os comportamentos, por forma a termos comportamentos mais simples, com menos burocracia, por forma a termos comportamentos mais éticos, mais transparentes, mais prestigiantes. Termos uma relação de quem é poder mais próximo com as pessoas. Mas isso não precisa de grandes reformas, precisa, de facto, de mentalidades diferentes e abertas. É esta a minha opinião.


Continua a considerar uma candidatura a Belém? 


Sobre isso não vou emitir nenhuma opinião. Eu disse uma vez no final de agosto do ano passado que admitiria um dia dizer sim ou dizer não. Eu nem disse nem sim nem não. Disse que admitiria um dia, se considerasse que podia ser útil ao país e que tinha condições, poderia um dia admitir dizer sim ou dizer não. Esse dia há de surgir, mas não há de ser tão cedo. Portanto, neste momento, não acrescento mais rigorosamente nada, não posso, nem devo  mesmo acrescentar ao que disse no fim do passado mês de agosto.

Grande Reportagem

La lhéngua que ye l coraçon dua cultura 

por Lara Castro, Natalia Vásquez e Nádia Neto, em Miranda do Douro
janeiro 2024

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