[Crónica] Em tempos de espera também se desespera?
- Nádia Neto

- 10 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de jan. de 2024
O tempo de uma espera não é igual para todos. Pode ser uma malha vibrante de expetativa que destrói ou revigora, dependendo do papel que te cai em sorte.Por exemplo, se fores uma criança, os laboriosos do marketing vão se multiplicar em ideias frescas para aprimorar o tempo entre a escrita da carta ao Pai Natal até à receção materializada do tão aguardado pedido. É um processo mágico para os miúdos e rentável para os graúdos. Há de tudo: arquétipos à venda de packs de escrita, o estímulo do fornecimento de suplementos como leite e bolachas ao pé da árvore, na tão esperada noite e até, observem o auge, salpicamos o chão com farinha para pegadas atestarem a visita.
Entretanto, enquanto adulto, tens sempre a renovação Ano Novo para vingares os teus intentos. Até porque não há nada tão improdutivo e tentador que um recomeço: sempre o amanhã, a segunda-feira, o próximo ano que está ali mesmo à espreita. Entupimo-nos ao som de doze baladas, com uvas que já morreram, empurrando-as com um espumante que faz azia, reproduzindo assim rituais que não compreendemos ou questionamos e que não nos ajudam, nem edificam. A intencionalidade é a nossa fórmula de distração momentânea e os enunciados desejos nem chegarão à Blue Monday – aka o dia mais triste do ano.
“Saudinha, eu peço é saudinha da boa.”Sábio desejo esse até porque se fores velho, o cenário não é auspicioso. E piora se fores pobre, sozinho e louco - uns costumam levar aos outros.
Denoto na maioria dos velhos uma tristeza sombria que carregam como que um sobretudo invisível, sabem? Esse manto é um fardo pesado: carrega uma vida já vivida, uma circunstância atual de retrocesso, a resignação à inutilidade latente. Gostaria de pensar que todos os velhos rezingões são como o Sr. Silva, o protagonista d’A Máquina de Fazer Espanhóis, do Valter Hugo Mãe - um ode para todos os que almejam a velhice.
Mas este país (e o mundo) não é para velhos. Nem as urgências de um qualquer hospital público, nos primeiros dias do ano. O tempo ali é vivido na horizontalidade de uma maca, em que o corpo frágil e enfermo, fareja a morte que está por todo o lado.
O ambiente hospitalar não é denso pelos químicos que polvilham o ar – o que sobrecarrega é o medo. O medo do último minuto. O medo da solidão que nunca vai embora. O medo de reconhecer o fardo no olhar de um filho, cônjuge ou cuidador. Toda a gente se voluntaria para cuidar da criança, ninguém se voluntaria para cuidar do velho. Toda a gente faz caretas idiotas para o bebé se rir, mas ninguém é capaz de embarcar num delírio para a anuência na hora da refeição do sénior: “sim Sr. Alberto já guardamos as galinhas soltas, agora já pode comer”. Aos bebés fotografamos as fezes, mas ao velho repugnamo-nos perante os lençóis, testemunhas de tantos corpos, e que são agora a prova da integridade perdida.

O preâmbulo da morte chega sempre a tempo quando se é velho. Ainda assim, numa cama de hospital (ao fim de uns belos pares de horas já deve haver camas) tudo o que quer é apenas o que acende por trás de um olhar nos olhos. Não interessa as horas extraordinárias, os sindicatos, a Ordem dos Médicos, as negociações. O que lhes interessa é sentirem que ainda são gente e que ainda há tempo de os fazerem sentir como tal.

















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