Américo Aguiar: “Eu defendo que a Igreja deve ter uma intervenção política”
- Contemporâneo Jornal
- 22 de dez. de 2023
- 18 min de leitura
No mesmo ano que presidiu a Fundação Jornada Mundial da Juventude, integra o colégio cardenalicio e torna-se num dos principais conselheiros do Papa. Do lema dos escuteiros sempre à alerta para servir até à elevação de cardeal, mas também como Bispo de Setúbal, a terceira maior diocese do país. Em entrevista ao Contemporâneo falou do miúdo que tinha dúvidas da sua vocação.
Desde de pequenino que era conhecido como o Cardeal?
Desde de pequenino, nem tanto. Desde o seminário.
Porquê?
A diocese do Porto teve um cardeal, que foi Bispo do Porto, entre 1871 e 1899. E essa figura foi uma figura marcante da diocese do Porto no final do século XIX. Quando vim para o seminário, o reitor, o D. Jorge Cunha atribuiu-me esse apelido. Era o Cardeal para cima, o Cardeal para baixo. O Cardeal, o Cardeal, o Cardeal, pronto. Foi assim que começou.
E como foi a sua infância?
Sou o mais novo de sete irmãos. Quando nasci, os meus irmãos já eram espadaúdos. A minha mãe tinha quarenta e tal anos e o meu pai cinquenta e tal. Portanto, já fora da caixa. Com os meus amigos de infância, a escola primária, depois a vivência na comunidade paroquial, depois a catequese, fui para os escuteiros, e deu nisto.
O que queria ser quando era pequeno?
A minha imagem que eu tenho mais presente era querer ser palhaço. Eu acho que me mantenho no negócio. Não é? Principalmente, no desejo e vontade de fazer os outros felizes. Fazer os outros sorrir. Eu acho que não há nada mais importante ou de maior retorno na nossa vida do que fazer o outro feliz e o outro sorrir. Acho que não há nada mais importante do que isso.
Levou a oitava lei do escuta muito a sério? O escuta tem sempre boa disposição de espírito, é um lema que acompanha?
Ora, ora, faço por isso. Mesmo nas alturas mais complicadas em que nós, os Sacerdotes, somos convidados em momentos difíceis da vida das pessoas, das comunidades, a tentar apontar o caminho de esperança, mesmo quando à nossa volta, tudo é contrário a isso mesmo.
E fala muitas vezes no trabalho de equipa que aprendeu e que adveio do escutismo. De que forma, hoje em dia, continua a estar presente?
É verdade. Faz parte do método escutista, essa aprendizagem em equipa, que é fundamental e nos tempos que correm ainda é mais importante. Atendendo, que o mundo digital nos isola e acho que todos nós concordamos, em qualquer desafio que tenhamos pela frente, se contarmos com diversas pessoas, com diversas sensibilidades e com diversas perspectivas, daí podem nascer respostas melhores. Quando é só um a fazer, a pensar, a decidir e a concretizar, pode ser muito bom, também existem, mas não é a mesma coisa. Principalmente, naquilo que é tentarmos alcançar o bem comum. Pode haver uma decisão que é boa para mim, para ti, que é boa para as colegas, mas pode haver outra que só é boa para mim ou só é boa para cada um. Tentarmos decidir o que é bom para todos, mesmo que seja mesmo bom para cada um de nós, implica também passar isso pela equipa. Eu acho que é mais fácil acontecer dessa maneira do que só ser uma pessoa.
Hoje em dia, é Cardeal, também Bispo de Setúbal, como surgiu a ideia de ir para o seminário?
Quando era miúdo gostava muito, e gosto ainda, era uma aficionado da banda desenhada. E de um modo especial, do tio Patinhas, do Pato Donald, e dos sobrinhos Zezinho, Luisinho e Huguinho. E tinha na mente que gostava de ser escuteiro, como são os sobrinhos do Donald. Quando anunciaram na minha paróquia que iam abrir um agrupamento de escuteiros, eu quis ir para os escuteiros e para ir para os escuteiros, tinha de ir para a catequese. Fui para a catequese, para ir para os escuteiros e, a certa altura, fui provocado pelo chefe dos escuteiros, o chefe José Teixeira, para fazer uma experiência de seminário e fiz, em 1993. Fiz e depois sai. E em 1995, regressei.
Entre 93 e 95, tive uma vida política e partidária na câmara municipal de Matosinhos e na Maia. Cidadania pura e dura e política partidária também, que gostei e apreciei e que é muito importante para mim hoje para entender muitas coisas, para entender como funcionam. Também para provocar a malta nova a essa cidadania. Nós não não podemos dispensar de uma intervenção política partidária, há muito tempo que celebramos as eleições livres em muitas partes do mundo, até as mulheres poderem votar, estamos a celebrar 50 anos de abril, mas chegamos às eleições e metade fica em casa. Passasse alguma coisa. Então, quando chega à altura de decidir, fico em casa? E, depois? Sofro as consequências ou vou usufruir daquilo que é decisão dos outros? É o que está a acontecer. Falamos nas redes, somos muito heróis nas redes, nos cafés, no cabeleireiro, mas quando chega a hora da verdade ficamos em casa, porque está sol, porque está chuva, porque não sei quê, porque não sei que mais. E entregamos nas mãos dos outros, aquilo que é o nosso futuro comum. Isso é muito lamentável.
Eu provoco muito os jovens a que se interessem, que se empenhem, mas também, é preciso dizer com verdade que a classe política, os eleitos são mal reconhecidos, são insultados, são postos em causa permanentemente, as famílias sofrem com isso, isso também não é maneira de cativar e, cativar ainda mais os melhores. Porque se queremos que os melhores, façam a gestão da freguesia, a gestão da câmara municipal, a gestão dos ministérios, a gestão do governo, a gestão do parlamento. Se queremos os melhores, temos de criar condições melhores, para que os melhores se disponibilizem.
Então, de que forma a vocação falou mais alto que esse gosto pela cidadania e pela política?
Eu acho que estas coisas não são incompatíveis, não é? Eu defendo que a igreja deve ter uma intervenção política. Não partidária, mas política. Porque é assim, o que é política? A política é tratar da coisa pública, da polis. E, portanto, tratar da polis é responsabilidade de todos, dos cristãos, dos católicos, dos budistas, dos evangélicos, dos judeus, dos muçulmanos, dos sem religião. Portanto, quanto mais nos empenharmos todos, a tratar da causa pública, melhor a cidade é governada. E, portanto, eu acho que não é totalmente incompatível. Agora, é diferente. Para além de ter a preocupação pela causa pública, depois a minha missão é, em primeiro lugar, anunciar o evangelho, e depois tentar ajudar cada um salvo, que no meio disto tudo cada um seja feliz, cumpra a sua vocação e se salve, é esse o objetivo.
O seu pai não era muito a favor de ir ao seminário?
Pois, ele não ficou a saber sequer, que ele entretanto faleceu nessa altura. A minha mãe escondia que eu ia ao seminário, ele não era nada favorável aos escuteiros, porque ele já tinha uma idade e julgava que era a mocidade portuguesa, que era coisa que nem nós sabemos o que é que era. Tinha essa ideia, mas depois evoluiu. Mas quanto ao seminário, eu acho que ele não apreciava e nunca chegou a saber. Agora no céu, certamente sabe tudo.
E quando se apercebeu que a vocação poderia ser futuro?
Desde daquele verão de 1995, em que decidi regressar ao seminário, que a partir daí fui tendo cada vez mais a certeza de que era isso. E ainda hoje, sou padre há 22 anos e cada vez mais estou convencido que é por aqui. Agora há dias mais fáceis, há dias mais difíceis, há dias de sorrisos abertos, há dias de tristeza, há dias em que se chora para dentro, mas isso é a vida de qualquer pessoa.
E hoje como a fé se manifesta?
Principalmente, naquilo que é olhar para os outros e ver que é o rosto de cristo que está perante de mim. E quando está alguém com problemas, de ver que esse irmão é um chamamento, é um desafio para eu tentar ajudar. E em tantas outras coisas do dia a dia. É sermos capazes de estar alegres com quem está alegre, triste com quem está triste, fazer festa com quem tem abundância e também ajudar aqueles que têm necessidade. Porque às vezes, há pessoas que nos seus discursos querem acabar com os ricos, porque há pobres. Eu não quero acabar com os ricos, porque há pobres. Eu quero que todos sejam ricos, de preferência. E se isso não for possível, com a ajuda de todos acabar com os pobres, e não o contrário.
Mas a fé que o jovem Américo tinha quando entrou para os escuteiros e para o seminário, continua a ser a mesma?
É a mesma. O que é a fé? A fé é eu deitar-me e acreditar que amanhã as coisas vão ser melhores. Esta esperança. A fé, a esperança, a caridade. E nós, cristãos, acreditamos que a nossa esperança é uma pessoa, é Jesus Cristo. E acreditamos que a fé não resolve nada, mas dá sentido às coisas. Se não: Eu tenho fé e não vou ficar doente ou não vou ter problemas. Não, eu vou ter problemas, vou ficar doente e vou ter dificuldades. Mas sei que a fé me dá um sentido. Um caminho que sei que percorro, que tudo faz sentido, mesmo o sofrimento, mesmo as dificuldades. Tudo faz sentido.
E estes novos tempos trazem novidades na fé?
Todos os dias. Principalmente, quando encontramos pessoas que se transcendem, que vão muito para além daquilo que o mandamento é expectável, principalmente, nos problemas e nas dificuldades. Nós todos os dias temos surpresas. Em Lisboa, eu vivi com o Bispo Auxiliar, D. Daniel, que faleceu e teve um cancro durante três anos e nunca ouvi um lamento, nunca ouvi uma queixa, pelo contrário, sempre muito positivo. E nós encontramos muitas vezes, pessoas que têm vidas desgraçadas na família, na doença, na economia, e que tem sempre um sorriso e têm sempre uma esperança e estão sempre a ensinar.
Tem alguma passagem preferida da bíblia?
Eu tenho uma que tem haver com o “Deus Providenciará”. Temos a figura de Abraão em que ele acredita que Deus o chama, acredita que Deus lhe aponta um caminho e todos põem em causa, porque não têm certezas humanas, materiais, ao que ele respondeu que “Deus Providenciará”.Eu gosto muito de dizer “Deus Providenciará”. O meu lema episcopal é diferente porque eu quis assumir uma homenagem ao antigo Bispo do Porto, António Francisco dos Santos, que faleceu sem aviso. Estava aqui no Porto, há três anos, 2014-2017, e o lema episcopal dele era esse e eu quis que passasse a ser meu para o homenagear, mas também é um bocado isso- “nas mãos de Deus”- O padre Cruz, o tal Santo Padre Cruz, que os mais velhos chamam, dizia uma coisa que era: “Quem quer o que Deus quer, tem tudo quanto quer”. E de facto é verdade. Se nós colocarmos na cabeça, “Eu quero o que Deus quiser”. Está tudo garantido. Agora, se eu quero, o que eu quero. Todos nós temos gostos diferentes, de cores, de apetites, de paladares, e, portanto, isso é mais complicado.
E tendo em conta esse lema, a sua carreira eclesiástica, já passou por muito?
Então, assim rapidamente, eu fui ordenado em 2001, fazia estágio na Paróquia de Paranhos, com o Padre José Alberto Vieira Magalhães, fiz aí o estágio de diácono. Depois fui nomeado pároco de Azevedo Campanhã, na zona oriental da cidade do Porto. Tive aí um ano, depois estive aqui no Palácio Episcopal do Porto, fui notário da cúria, fui assistente regional dos escuteiros, fui chefe do gabinete de comunicação, fui chefe do gabinete episcopal, fui vigário geral de três bispos, D. Armindo, D. Manuel Clemente, D. António Francisco dos Santos e depois ainda um bocadinho de D. Manuel Linda. No meio disso tudo, fui Capelão da Misericórdia do Porto. Na Misericórdia do Porto fui capelão dos lares, dos colégios, da cadeia, do hospital da Prelada, de tudo e mais alguma coisa. Também me deu uma diversidade de experiências e de contactos. Depois tive o desafio da irmandade dos Clérigos, com as obras de recuperação dos Clérigos. Depois tive a paróquia da Sé, durante um ano, e tentamos desencadear o processo das obras da Igreja de Santa Clara, que também acabaram por ser concretizadas. Em 2015, fui convidado, desafiado para coordenar o Grupo da Rádio Renascença. Em setembro de 2015, fui para Lisboa. Em 2019, fui nomeado Bispo Auxiliar de Lisboa, entretanto, fiquei encarregue de organizar as Jornadas Mundiais da Juventude. Sobrevivi, e o Papa anunciou que era Cardeal no dia 9 de julho, lá na janela do Palácio Apóstolo, foi mais um choque elétrico. Depois, em 21 de setembro nomeou-me Bispo de Setúbal, e aqui estou eu. Ah, sou Capelão Nacional dos Bombeiros Portugueses e mais umas coisas…
Há tempo para ler um livro?
De vez em quando. Há muito tempo que não leio um livro de fio a pavio. Aqui que ninguém nos ouve, eu leio na diagonal. Às vezes leio o início, leio o fim para ver como aquilo acaba. E se o fim me aguçar o apetite, vou ler. Agora quando começo e depois vou ver o fim e não gosto, desisto. Mas, infelizmente é assim.
Mas o que costuma fazer no dia a dia?
Fruto do tempo novo em que nós vivemos, dos fluxos de comunicação. Hoje em dia, muito do nosso tempo, felizmente ou infelizmente, é whatsapps, é sms, é videoconferências, é videochamadas, é e-mails, é sinas de fumo. É muito comunicacional. Mesmo que às vezes cheguemos ao fim do dia, ficamos com a sensação de não fizemos nada. Mas agora em Setúbal, nestes dois meses que já passaram, eu estou na fase das visitas de cortesia. Portanto, conhecer os responsáveis das instituições, conhecer as instituições, conhecer o território. Tem sido uma “lufa”, “lufa” muito significativa. Espero que 2024, signifique um “slowdown”, um regime, uma velocidade mais lenta, mas mais de acordo com o território, mais circunscrito àquilo que é a Península de Setúbal.
Falou à pouco da JMJ, como é que foi presidir e organizar um evento deste tamanho?
Do tamanho do mundo. Foi muito do que já falamos, do trabalho em equipa. Porque eu tenho consciência que sou o rosto conhecido para o bem e para o mal, mas estamos a falar de centenas e milhares de jovens que trabalharam nas mais diversas áreas, voluntários, trabalhadores, em Lisboa, nas dioceses portuguesas, no mundo inteiro. E foi um sucesso graças a isso. Graças ao trabalho, empenho e dedicação de todos. O papa pedia que o convite chegasse a todos, todos. Chegou a todos, só as Maldivas é que ficaram fora da caixa. Mas tudo ultrapassou as expectativas, as expectativas que eu tinha de participação, de números, de dimensão, tudo foi ultrapassado. Tudo foi ultrapassado e graças a Deus, graças ao Papa, graças aos jovens e graças aos voluntários, às empresas e ao Estado que ajudaram para que tudo corresse da melhor maneira. Eu fui só o maestro.
Como é lidar com o olho público?
É assim, eu já estou na esfera pública há muitos anos, para o bem e para o mal. E de início era mais complicado e doloroso, depois vamos ficando imunes. Vamos ficando com a pele mais dura, com a carapaça mais, enfim, vamos habituando. Hoje em dia, a única coisa que lamento é que nós somos todos perigosos num teclado. Cada um de nós atrás de um teclado, é muito perigoso, porque escrevemos, dizemos, acusamos e difamamos com muita facilidade. E isso é muito grave, porque às vezes, magoamos, matamos, complicamos, destruímos vidas, pessoas e instituições e, gratuitamente. E é um tempo muito difícil, que nos leva a refletir sobre a feliz e saudável convivência nas redes sociais. Eu não sou contra as redes, pelo contrário, nem gosto de controlar. Mas acho que todos temos de aceitar que as coisas estão um bocadinho fora da mão. E, portanto, eu acho que se é verdade, se alguém fez ou deixou de fazer, que se deve dizer, apurar, e clarificar. Mas nós no dia a dia das redes sabemos que infelizmente não é bem assim. Tudo ao monte, e seja o que Deus quiser. E isso às vezes magoa, depois passei aquela fase que é não ir ver e não ligar nada. É a vida.
Até porque o Américo faz lives. Isso é de forma a cativar os mais jovens?
Foi divertidíssimo. Eu devo ter feito um por dia, durante três anos. (Risos) A certa altura, não há imaginação, não é? Às vezes era inventar, era o Dia do Santo, era um acontecimento que tinha ocorrido, era alguma conversa que se tinha sucedido. Era bonito porque encontrava pessoas mais anónimas e eu terminava sempre com um gesto. Uma vez encontrei uns miúdos pequeninos e eles fizeram-me o gesto.
Foi algo que o marcou a si e às pessoas que assistiam?
Eu acredito que sim. Porque a certa altura foi uma companhia no caminho, uns para os outros. Era a única maneira de ir ao encontro da maioria das pessoas, de outra maneira não era possível.
Entretanto foi nomeado Cardeal, o Papa ligou-lhe?
Não, não. O Papa anuncia os cardeais lá da janela para baixo, sem aviso prévio.
Como foi a reação?
Eu estava em Setúbal, a embalar os kits das jornadas e fiquei surpreendido. Estava o telemóvel a fazer barulho, fui ver o que era, fiquei a saber. Dizem que eu fiquei pálido e deram-me água, e um café, e mais não sei o quê. Mas ainda estou a recuperar.
Porquê acha que o Papa o escolheu?
Isso eu não sei. Ainda não tive coragem sequer de perguntar. A nomeação dos cardeais é da única e exclusiva responsabilidade do Papa. Não há candidaturas, não há recomendações, não há nada disso. Cada Papa, ao longo do tempo, tem critérios, tem pensamentos e sonhos que só ele é que sabe. E eu tenho vergonha, tenho medo, tenho receio, tenho temor, tenho respeito, acho que é um bocadinho desaforo: “Olhe lá, porquê que me escolheu?”
Mas tem receios e medos?
Tenho como toda a gente, como é óbvio. O principal é não corresponder às expectativas das pessoas, não é? Porque a brincar, a brincar, eu sou um danoninho. Eu sou um jovem, fiz cinquenta anos à dias, ainda sou um jovem. E, de facto, tenho consciência que as pessoas têm grandes expectativas em relação a um Cardeal, em relação a um Bispo. Todos os dias devo fazer o melhor para me portar bem, ou seja, ainda mais responsabilidade tenho, de me portar ainda melhor. Eu no Verão fiz uma viagem para ir visitar a diocese na Albânia. Fui de carro, de Veneza, e nos hotéis, nos sítios mais públicos, fui interpelado por estrangeiros: “O senhor é da JMJ”. E isso dá-nos algum conforto, mas também desconforto.
O Papa Francisco além de ser uma grande figura da Igreja, passou a ser uma grande figura no mundo e na sociedade. De que forma segue os ideais?
Eu sou Francisco, a 100%, ADN Francisco. O Doutor Adriano Moreira dizia uma coisa interessante que era “Atualmente o mundo vive um défice de vozes encantatórias.” E dizia que há momentos da história em que há figuras que encantam, uma população, um país, o mundo inteiro e que nos fazem ir atrás. Vozes encantatórias. E na história tivemos momentos em que figuras pelas piores razões, levaram os países atrás de si e foram os responsáveis pelos genocídios e guerras, coisas dramáticas. Mas também há figuras que de vez em quando aparecem e que nos conquistam, nos cativam. Eu acho que hoje, no tempo em que vivemos, o Papa está sozinho. Porque, hoje em dia, quando pensamos numa lista de figuras a nível mundial que cativem transversalmente, que sejam respeitadas e acolhidas transversalmente, só temos o Papa Francisco. Porque depois, mesmo os líderes de potências mundiais, estão mal com A, é o hemisfério A contra o B, os de norte contra o sul. É os da esquerda contra direita.
Portanto, hoje a figura do Papa é a única como voz encantatória para esta humanidade.
E temos visto mesmo o esforço dele na questão ecológica, que é uma surpresa. Afinal, o Papa branco é verde. É uma figura única.
Como foi a primeira vez que esteve com ele?
Foi em março de 2019. Quando fui tirar as medidas às roupas de Bispo. Fui à audiência geral e tinham-me dito que os Bispos podiam ir cumprimentá-lo, mas eu disse “Eu ainda não sou Bispo”, de qualquer das formas disseram-me que podia ir. Lá vesti a roupa e fui. Chegou a minha vez, tinha as mãos a transpirar, as pernas a tremer e estava a tentar decorar uma conversa, já sabem quando a gente faz isso, chega lá e bloqueia. Eu cheguei lá e só disse que era o Padre Américo, que ele tinha nomeado Bispo Auxiliar de Lisboa à pouco tempo e ele disse “Tu não és de Lisboa, tu és do Porto, eu fui-te lá buscar e não queriam.” Foi sem aviso e fiquei curioso. Quando cheguei a Lisboa disse logo ao D. Manuel Clemente, olhe o Papa disse-me isto assim assim e ele riu-se e disse: “Se o Papa decorou, há duas hipóteses, boas razões ou más razões, esperemos que sejam boas.”
Gostava de vir a ser Papa?
É assim, gostar não, porque imagino que ser papa é uma responsabilidade e um peso que eu não me considero com a dimensão e estatura que é necessária para que isso aconteça. Mas também quando a gente lê as histórias vê que normalmente é assim mesmo. E, portanto, o que todos os cardeais devem fazer quando for o Conclave é rezar e pedir ao Espírito Santo que nos ajude a escolher aquele que ele quer. E aquele que ele quer, que os Cardeais escolherem, que diga que sim. É esse o objetivo.
Como foi chegar a Setúbal?
É uma diocese que vai fazer 50 anos em 2025. E é um território que não tem muito haver com aquilo que é a imagem que os portugueses têm. Principalmente, o norte tem uma ideia de que Setúbal é fome, peste e guerra. Não é. Setúbal é um território que tem problemas, como têm os outros. Tem bairros sociais com pobreza, tem dificuldades, mas depois também tem o lado positivo, como têm os outros. Tem quase 900 mil habitantes, tem uma população universitária que me surpreendeu. Fiquei surpreendido por isso. Tenho visitado empresas, que me têm surpreendido. O que é preciso é que todos juntos demos as mãos, para ultrapassar aquilo que nos divide e sermos capazes de construir o futuro. Eu vou ajudar a que isso aconteça.
Nos escuteiros diz-se que devemos deixar o mundo melhor. De que é que a Igreja precisa?
Precisa de ser mais aquilo que o evangelho é. A Igreja às vezes parece ser só os Bispos, a Igreja somos nós. São todos aqueles que se identificam, mas ao longo de dois mil anos, vamos colecionando, vamos pondo roupas, vamos colecionando coisas, vamos assumindo e aculturando tradições e, a certa altura, estamos esmagados. E é preciso aliviar, tirar isto, tirar aquilo. Limpar, tirar o pó. Para que Cristo Vivo e o evangelho sejam mais visíveis. Sejam mais diretamente entendidos pelas pessoas, porque cada tempo é um tempo. Se nós fossemos viver para a idade média, se calhar rapidamente achávamos que era o melhor tempo e se trouxéssemos os da idade média para agora, eles fugiam ou morriam de medo. Cada tempo é o seu tempo. Depois há uma fase em que sofremos, quando sentimos que vivemos uma mudança e eu acho que estamos numa mudança de época, uma viragem. Como o Papa Bento Dezasseis diz num dos últimos documentos que fez, sobre a revolução industrial no seu tempo, que mudou o mundo, mudou a cultura, mudou o processo de produção, mudou tudo, e o Papa diz assim: “a revolução digital está a fazer exatamente o mesmo e nós esquecemo-nos disto.” A malta nova, não são loucos, são um bocado estranhos. Mas já estão programados para uma geração diferente. É o “Tik” e o “Tok”, é o “aitek” e “ITOUCH” é diferente. É totalmente diferente. Não é melhor, nem é pior. A única coisa que eu tenho receio é que, às vezes, isso leve ao isolamento.
Aliás, o Papa Bento Dezasseis dizia que tinha pena e lamentava que o Facebook tivesse a terminologia dos “amigos”. Porque os amigos não são isso. Podem ser conexões. Podem ser algoritmos, podem ser outros nomes. E, portanto, este é o grande desafio dos dias de hoje, é a comunicação. É nós entendermos que é diferente. Eu, às vezes, tenho a sensação de que estamos a falar e que a malta nova não entende. Como a malta nova, às vezes, está a falar e a malta “cota” não entende. E não é maldade de ninguém, nem má vontade. É a realidade. Normalmente, eu digo que vivemos na era do “Wi-Fi”, nós vamos ao encontro seja lá do que for, e fazemos avaliações, e no fim corre mal, quando o wifi não funciona. Nós temos uma dependência que já é identitária, de estarmos conectados. O pior castigo que podem dar a um jovem, não é o quarto escuro, tira-lhe a mesada, não é nada disso, é dizer que não há telemóveis, nem internet. É o pior que se pode fazer, porque é identitário. Eu também já não consigo estar num sítio sem rede, fico preocupado quando estou a ficar sem bateria, dizem que já estou na fase da adição.
Agora que fala na comunicação, tirou mestrado em comunicação e esteve na Renascença, como surgiu esse interesse?
Da comunicação aqui, exatamente aqui. Porque eu trabalhava com o Senhor D. Armindo Lopes Coelho, que no fim da década de 90, criou o site e o gabinete de comunicação da diocese do Porto. E eu tive essas responsabilidades e sempre achei que era preciso mais alguma coisa, do que gostar, ter habilidade, acho que era preciso formação. O que é umas das falhas em algumas das áreas, em muitos assuntos julgarmos que o expediente e o desenrasque chega. Eu acho que ajuda, mas ter formação específica faz diferença. Portanto, na altura D. Manuel Clemente entendeu que eu fosse fazer formação e fiz com sacrifício de ir a Lisboa, todas as semanas, para o Mestrado em Ciências da Comunicação, e gostei muito. E passou a ser diferente.
E como gere todas essas diferentes vertentes da vida?
Olhando para trás acho que é um bocado louco, mas no momento nós fazemos tudo. Eu acho que vocês também. Há coisas que nós só temos consciência depois, porque se nós estivermos sempre a pensar nisso no momento, nunca faríamos muitas coisas. Eu acho que é diferente alguém novo ter uma função de responsabilidades, por exemplo, com a idade que tenho, tomo decisões que uma pessoa de 60 não toma. Não é que ele tenha medo, pensa demais, pondera, tem outro sentido de responsabilidade. Aquela coisa do “arriscar”, tu fazes aos 20, aos 30, aos 40. E eu acho que há muitas coisas, que ainda bem, que é assim. Depois há outra coisa, na nossa cultura que tem de mudar, que não ajuda, contrário da cultura anglosaxonica ou americana, no nosso país, as falhas são cadastro e noutras culturas, as falhas são currículo. O meu professor na católica, na altura, dizia um exemplo do empréstimo bancário. Nos Estados Unidos se tu tiveres um percurso de projetos que falharam, isso é valorizado, porque eles concluem que falhaste e vais esforçar-te mais. Em Portugal, é fatal. Falhaste uma vez, estás condenado para a vida inteira.
Ainda há objetivos por cumprir?
Todos os dias, é a tal esperança, do Cristo vivo. Nós nem imaginamos o que está guardado para nós, aquilo de sermos sensíveis aos sonhos de Deus. Deus tem um sonho, um projeto para cada um de nós. Qual é que será? E todos os dias temos de trabalhar por isso.
Fala muito das “saudades do futuro”?
Eu não sei quem é que disse, eu ouvi uma vez e gosto. “Saudades do Futuro” acho muito giro.
E de que tem “saudades do futuro”?
Principalmente, um esforço que faço diariamente é saber que ao chegarmos a esse futuro teremos a plena consciência que fizemos aquilo que devíamos ter feito. Acho que é o melhor que pode acontecer a cada um de nós, é chegar lá e pensar “não fiz”, “não fui”, “não correspondi”, “não arrisquei”, “dei com o nariz, sangrei, chorei”, mas estou feliz porque correspondi àquilo que eram os desafios de Deus.

















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