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AMCH Ringe: Pontapé de Saída para o futebol feminino

  • Foto do escritor: Nádia Neto
    Nádia Neto
  • 19 de dez. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 17 de jan. de 2024

A Associação de Moradores do Complexo Habitacional de Ringe (AMCHR) é a prova que os sonhos existem para serem cumpridos. Sediada num bairro social, do concelho de Santo Tirso, todos os dias, a associação tenta mudar o paradigma do bairro e as vidas dos jovens que o frequentam e ambicionam ser jogadores ou jogadoras de futebol. 


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Foto: Nádia Neto

O Complexo Habitacional de Ringe é agora conhecido como o bairro dos sonhos graças à associação de moradores, que tem vindo a desenvolver um trabalho de cariz social. Além da vertente desportiva, a associação sem fins lucrativos tem um ATL, Centro Comunitário, Apartamentos de Reinserção e Banco Alimentar. O principal foco é ajudar o bairro, onde está sediada. Desde dos anos 80, o bairro era apelidado de “Iraque”, um bairro sem rumo e perigoso, onde a criminalidade, tráfico de droga e prostituição era a ordem do dia. Mas hoje são águas passadas e quem lá vive sente orgulho da sua “casa”. 


O futebol foi a modalidade desportiva escolhida para iniciar a intervenção nos jovens e passou a ter um papel decisivo na reabilitação e transformação das famílias, onde é um desporto gratuito e está ao alcance de todos. O principal objetivo era, e continua a ser, “formar pessoas para a vida”, afirma, ao Contemporâneo, o treinador Adílio Pinheiro ou Senhor Pinheiro, como é conhecido pela comunidade, que foi responsável pela revolução. E já se sentem as mudanças no bairro. 


O Nascimento do Clube de Ringe


Durante anos, Adílio Pinheiro tinha sido responsável pelas camadas jovens do Desportivo das Aves, mas, em 2004, quis dar um novo rumo ao futebol e criar a Escolinha “Pinheirinhos de Ringe”, nome dado em homenagem ao seu esforço, aliada à causa social. Queria que os meninos começassem a treinar mais cedo, com 4 ou 5 anos, porque “se não quando chegar àquela idade de decisão não estão preparados”. O Aves não aceitou e a Associação de Ringe acolheu o projeto com toda a dedicação e o primeiro sonho foi tornado realidade. O clube AMCH Ringe nasceu e continua a jogar.



A filosofia do treinador é clara e diferenciadora: “Aqui em Ringe toda a gente joga, em todos os jogos”. A disciplina é o seu foco e as vitórias nunca o preocuparam. Mas sabe que isso faz com que os miúdos e, mesmo os treinadores, andem mais contentes.

Apesar de ser um clube pequeno, a prova de qualidade é ter sido a rampa de lançamento para jogadores como Vitor Ferreira, conhecido por Vitinha, Diogo Costa e Letícia Almeida, que passaram pelo clube e ajudaram-nos a colocá-lo no mapa. No momento, Vitinha joga no Paris Saint-Germain e Diogo Costa defende as balizas do Porto. 


Letícia Almeida estreou-se, esta época, como reforço da equipa feminina do Benfica. Esteve no Ringe como escalão de formação e ainda passou pelo Famalicão e Vilaverdense, antes de chegar às “águias”.



O Ringe não é só para meninos


Ainda nem existiam Pinheirinhos de Ringe e já as meninas dos bairro jogavam futebol. Aliás, há 25 anos, a associação dos moradores de Ringe não começou pelo futebol, mas sim, pelo atletismo. No entanto, o grande problema era que nem todas as meninas do bairro gostavam de atletismo, conta Isabel Campos, moradora e antiga treinadora do Ringe. 


Como o pai de Isabel era treinador lançou-lhe o desafio e também ao, na altura, presidente da associação. Assim, numa brincadeira entre meninas dos blocos do complexo habitacional surgiu a primeira equipa feminina de Ringe. Inicialmente, os blocos jogavam uns contra os outros. Mais tarde, meninas das redondezas, “começaram a ver, começaram a se interessar e começar aparecer nos treinos”, explica. Isto porque “eu chamava uma amiga, outra chamava outra”, era uma equipa também de amizade, acrescenta Isabel. 


“Fui eu que fiz os nossos equipamentos”, Isabel era uma mulher de vários ofícios, quando a equipa começou, trabalhava numa confeção e pediu ajuda ao patrão para elaborar o equipamento da equipa. Sempre que tinha uma hora livre, lá costurava mais um equipamento, que duraram muitos anos. 


Depois dos equipamentos estarem prontos, finalmente, podia soar o apito de início da partida. Começaram por jogar em juniores e depois em seniores, tiveram a sorte de pertencer a um concelhio que já tinha feminino, como o concelho de Santo Tirso. “Ganhamos o concelhio, ganhamos intermunicipais, ganhamos tudo o que havíamos para ganhar aqui” e continuaram a crescer, a dar asas ao sonho do futebol feminino, até chegaram a ter duas equipas (equipa A e equipa B). O desafio era cada vez maior, decidiram experimentar de cabeça e federar a equipa. Inscreveram a equipa na federação portuguesa de futebol, apesar de agora, já haver outros campeonatos femininos. 


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Isabel Campos ao lado da treinadora Lara Andrade. Foto: Nádia Neto

Isabel era a capitã da equipa, mas chegou a hora de pendurar as chuteiras, não deixou o futebol e tornou-se treinadora adjunta: “optei por ficar sempre na retaguarda”.

Além disso, Isabel trabalha, agora, numa escola básica nos arredores do bairro. Começou a ver meninas que sabiam jogar e tinham o gosto pelo futebol, chamou-as para jogar e pediu aos pais que as deixassem vir treinar. Recorda que foi uma tarefa difícil, dado o historial e estigma do bairro. Por outro lado, a questão de serem meninas a jogarem futebol e os pais não quererem, “se fosse os meninos toda a gente queria”. Mas, pouco a pouco, os pais começaram a ter confiança e ver que “as miúdas realmente estavam bem aqui, que se sentiam bem a jogar”. Duas dessas meninas eram a Letícia Almeida e Lara Andrade. 



O futebol não se faz só de jogadores 


“Convidaram-me para um torneio e experimentei e fiquei a gostar” foi assim que Isabel conseguiu mais uma menina para a equipa. Lara Andrade, jogou pelo Ringe dos 12 aos 18 anos e, agora, com 20 anos, é a mais recente treinadora. Com experiência de jogadora, curso em desporto, no secundário, a bagagem estava completa para surgir e aceitar mais um convite para se juntar à equipa técnica do clube do coração. 


Começou no início da época a treinar o escalão sub-13 masculino, que considera ser “uma experiência muito boa”, mas desafiadora. “Eu sou uma menina e infelizmente ainda é um problema”, teve ser mais “exigente” para ser levada a sério. Mas admite que até agora conseguiu um trabalho muito bom e os miúdos não a largam, durante os treinos. 





O futuro


Apesar do sucesso, o jogo chegou mesmo aos 90 minutos. A equipa de futebol feminino no Ringe acabou há dois anos, antes de o futebol feminino chegar à ribalta dos dias de hoje. “Os clubes, ditos grandes, acabaram por nos sugar”, afirma Isabel Campos ser o principal motivo para o Ringe não ter conseguido ficar com as suas atletas durante mais tempo. 


“Todos os dias digo: é frustrante, porque nós tanto lutamos pelo futebol feminino e agora eu olho à volta e maior parte das jogadoras dos outros clubes são jogadoras nossas, que fizeram supostamente a sua formação aqui”, é com mágoa que o sonho que iniciou cair por terra. 


Mas, de olhos postos no futuro, ainda não perdeu a esperança de voltar a ter no Ringe futebol feminino e conta com a ajuda da Lara. Enquanto treinadora, insiste que o futebol feminino ainda tem muito para explorar, mesmo os campeonatos masculinos, já começamos “apanhamos algumas equipas com meninas, equipas mistas”.Ou melhor, ainda esta época, a equipa que treina vai jogar contra uma equipa só de meninas. Com a formação destas novas  equipas, o pontapé de saída para o futebol feminino no Ringe pode voltar acontecer.

Grande Reportagem

La lhéngua que ye l coraçon dua cultura 

por Lara Castro, Natalia Vásquez e Nádia Neto, em Miranda do Douro
janeiro 2024

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