A leitura tornou-se viral: as redes sociais transformaram o panorama literário
- Nádia Neto e Natália Vásquez

- 3 de jan. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 16 de jan. de 2024
Os livros encontraram um novo espaço nas redes sociais. Mariana Nunes, ‘bookstagramer’ com mais de 60 mil seguidores na sua conta do Instagram, é uma das caras deste fenómeno que não dá sinais de parar em Portugal.

Nos últimos anos, nas redes sociais, tornou-se cada vez mais comum encontrar-se com influenciadores a falar de livros. Tanto assim que, na atualidade, há criadores de conteúdo dedicados, exclusivamente, aos livros. Fazem desde resenhas literárias e recomendações até teorias sobre os argumentos dos livros.
Esta crescente popularidade faz que os termos ‘booktok’ ou ‘bookstagram’ estejam mais presentes do que nunca na cena literária e nas redes sociais. Estas palavras nascem da união da palavra ‘book’ (livro, em inglês) e do nome de uma rede social. Por exemplo, o ‘bookstagram’ (book + Instagram) não é mais do que uma forma de referir-se ao conteúdo sobre livros que é publicado no Instagram.
Os criadores deste tipo de conteúdo receberam também essa mesma alcunha: ‘booktoker’ refere-se os influenciadores que estão no Tiktok, ‘bookstagrammer’ aos que estão no Instagram e ‘booktuber’ aos que estão no Youtube.
Mariana Nunes é uma bookinfluencer, ou seja, cria conteúdos sobre livros em todas as redes sociais. Conhecida na internet como ‘Chronicles of Mariana’, ela faz parte deste fenómeno desde 2019. Mariana não só se dedica a esta labor, também está a fazer o mestrado em estudos editorias na Universidade de Aveiro. Atualmente, tem mais de 60 mil seguidores no Instagram.
“Faço conteúdo desde 2013, tinha um blog. Mas foi só em 2019 que criei uma conta nova nas redes sociais. Pensei que era uma cena única, mas a gente fazia isso lá fora, eu é que não sabia. Havia uma comunidade pequena em Portugal, cerca de 50 pessoas. Foi na pandemia que cresceu mais. Lembro-me que tinha mil seguidores e, do nada, já tinha 11 mil. Acho que a pandemia deu um empurrão na leitura de toda a gente.”, diz Mariana, sobre os seus inícios como criadora de conteúdo. Conta que o seu género favorito é romance e, em menor medida, thriller e fantasia.
Sobre o que faz nas redes sociais, diz que “gosta muito de criar conteúdo de anotações” porque escreve muito nas margens dos seus livros quando está a lê-los. “Estou sempre a perguntar o que os meus seguidores precisam e/ou gostavam de ler para reunir algumas recomendações. Também faço vídeos sobre capítulos de livros para chamar a atenção. Depois ajudo aos autores e as editorias na divulgação de projetos.”. Mariana afirma que, a menos que uma editora ou autora lhe peça um conteúdo específico, faz tudo de uma forma “muito natural”.
A influenciadora estima que, entre a sua casa em Aveiro e no Algarve, tem mais de 700 livros. Recebeu muito desses exemplares diretamente das editoras, com o objetivo de que ela os leia e depois partilhe a sua opinião com os seus seguidores. A criadora de conteúdo lê entre 8 e 9 livros por mês, mas já chegou a ler entre 12 e 20. No entanto, afirma que não é paga por fazer divulgação dos livros.
“A nível internacional, já me pagaram, mas, em Portugal, nunca pagaram nada, porque... não sei, estão muito retrógrados neste mercado e não estão a valorizar tanto o nosso trabalho como deviam. Até porque estão a sair imensas notícias do aumento da leitura, por causa das redes sociais. Eu acho que deviam valorizar um pouco mais isso, porque se nós não fizéssemos conteúdo, as pessoas não estavam a descobrir esses livros. Mas pronto, é tudo muito gratuito, através do amor dos livros.”, explica.
O impacto que estes influenciadores têm nas vendas de livros é inegável. Em Portugal, segundo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), a venda de livros cresceu mais de 12,8% em 2022, em relação ao 2021. O segundo género mais vendido foi o infanto-juvenil, que conformou o o 34% do total das ventas.
Este incremento na popularidade tem outros efeitos: os livros em inglês estão a ser traduzidos com maior rapidez do que antes. Mariana Nunes conta a sua experiência:
“Estão o trazer os livros de forma mais rápido. Por exemplo, há uma saga de três livros que eu ajudei a publicar. Tinham publicado o primeiro livro da saga em 2017. Eu li-o no 2019 e fiquei chateada porque ainda não estavam publicados os outros dois livros e já tinham passado dois anos."
"Na altura, perguntei a uma pessoa da editora e ela respondeu que ninguém queria comprar os livros. Então eu perguntei o que era preciso para que os publicassem, que eu ia fazer uma petição. Ela respondeu que se eu conseguia 200 e tal assinaturas, conseguia mostrar ao editor que valia a pena. Eu partilhei no Instagram e montes de pessoas juntaram-se, aquilo ficou com mais de mil e tal assinaturas e o livro foi publicado no ano a seguir, em 2020. E acho que foi no próprio ano, que foi publicado logo o terceiro e último livro. Agora é muito mais fácil termos uma saga completa, em Portugal. Antes precisávamos de esperar anos ou desistíamos e liamos em inglês.”, explica.
As editoras mantêm uma relação próxima com os influenciadores. Mariana recebe acesso antecipado aos livros e sabe quais serão as suas datas de publicação. No entanto, a criadora de conteúdo admite que não lê muito em português: “Eu acabo sempre por ler em inglês, porque quando um livro sai, eu já consigo falar sobre ele antes dos outros.”

Os desafios dos jovens leitores portugueses
Mariana Nunes admite que o preço dos livros em inglês também é um fator importante na hora de fazer as suas compras. “Como estão a traduzir mais cedo e tão rápido, não temos a necessidade de ir comprar noutra língua. Mas tenho de confessar que os livros em português são muito mais caros do que em inglês. No outro dia, fiz uma compra online de livros que em inglês, custam 2 libras e aqui custam 20€ e tal euros. Neste momento, se tivesse comprado a minha estante toda em Portugal, valia uns 10 ou 15 mil euros e é um investimento que nem toda a gente consegue fazer.”
A influenciadora admite que entende as razoes por trás do preço dos livros em Portugal. As editoras têm de pagar o custo de mão de obra para fazer as traduções, o design, a paginação, a revisão, entre outras coisas, além do custo dos direitos do livro e da capa. “É muita coisa que se paga para além de imprimir numa gráfica. Mas, ainda assim, se o Estado ajudasse mais, porque o Estado não comparticipa nada para as editoras, eu acho que seria mais fácil.”, diz a jovem.

Mariana também argumenta que, além do custo dos livros, um outro desafio dos jovens leitores é a falta de inclusão no plano nacional de leitura: “Foi muito triste o que fizeram. Porque (para construir o plano) pediram a nossa ajuda e de muitas editoras e depois todos os livros que eram de raça negra, raça chinesa, tudo o que falava de LGBTI+, tudo foi negado. A editora Desrotina fez uma publicação a falar sobre isso, a dizer que todos os livros deles são publicados para oferecer uma leitura mais diversificada e mais inclusiva, mas todos os seus livros foram negados. Porque o Estado não aceita este tipo de livros, não os apoia.”
A influenciadora não gosta de ler clássicos. Quando faz projetos com escolas para incentivar a leitura, tenta que os professores expandam as listas de livros para incluir outros exemplares, que não os clássicos. Mariana argumenta que a nova geração não tem “mentalidade, nem maturidade para perceber” esse tipo de livros.
“A minha irmã não percebeu nada dos Maias e dos Lusíadas.”, diz a criadora de conteúdo. “Quando vou às escolas, peço para que todos os que já leram um livro levantem as mãos. Depois peço que só fiquem com a mão no alto os que já leram livros do plano nacional de leitura. Quase todos baixam a mão. Os professores detestam que eu fale disso, mas depois agradecem. Eu dou uma coleção de livros que falam dos temas dos clássicos, mas de uma forma diferente e mais direcionada aos jovens. No, final do ano temos mais pessoas que já os leram. E depois fazem perguntas sobre recomendações e eu vou dando listas.
Os professores me dizem que têm alunos que não tinham lido nada no início do ano e agora estão com mais de 30 livros lidos. Acho que é muito giro. O professor tem de saber se adaptar e felizmente até agora os que conheci foram flexíveis. O professor tem muito impacto nisso.”
Neste novo ano, Mariana pensa em estar mais aberta aos clássicos: “Mas este 2024, quero ler dois clássicos. Não algo que não me apaixone, mas pode ser que sim.”

















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